Ano de vacas gordas

Ano de vacas gordas

Com recorde histórico no preço da arroba e valorização de bezerros, 2020 deve fechar como o melhor ano pecuário dos últimos tempos

ora de fazer a conta final do ano e ver se houve lucro ou prejuízo em 2020. Quem fez o dever de casa, gerenciando bem o negócio, provavelmente vai ter muito o que comemorar. Basta ver o preço da arroba no final de 2019, que já sinalizava uma retomada das cotações e fechou em R$200,00. Comparando com novembro de 2020, a alta foi de 39,95%, fechando em R$ 279,90, valor registrado em 5 de novembro. 

Por outro lado, os custos também subiram. Quem trabalha com cria viu os preços do bezerro crescerem, atingindo os recordes reais. Conforme análise do Cepea referente a outubro, esse cenário é resultado da restrição de oferta de animais desde o segundo semestre de 2019 e da demanda aquecida por reposição, devido aos valores recordes do boi gordo. E agentes do mercado consultados pelo Cepea acreditam que o movimento de avanço nos valores da reposição deve seguir firme, fundamentados no baixo volume de chuva nos últimos meses, que tende a atrasar a estação de monta.

Então, essa conta realmente vai fechar no azul? Para o presidente Comissão Nacional de Bovinocultura de Corte da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), Antônio Pitangui de Salvo, 2020 certamente será um ano de alta lucratividade. “O invernista que está matando boi agora comprou bezerro ou boi magro bem mais barato lá atrás, o que vai garantir uma melhora da rentabilidade este ano. E mesmo com o aumento de custo dos insumos, que está na ordem de 20 a 25%, vamos ter uma lucratividade bastante satisfatória”, destaca o presidente da Comissão, que é criador de Guzerá PO e também atua na pecuária de corte comercial. 

Segundo ele, não só o invernista terá maior rentabilidade em 2020. Quem trabalha com a cria também não tem do que reclamar. “O custo do bezerro em 2017 era por volta de R$950,00 a R$ 1 mil. De lá para cá, houve um aumento de 20%, com esse custo ficando em torno de R$1,2 mil, isso para quem tem eficiência em termos de fertilidade e peso à desmama. Agora, esse bezerro está sendo vendido por mais R$2,3 mil, ou seja, esse produtor também terá um ganho muito bom”, explica o presidente da Comissão de Carne. 

Em outubro, o bezerro (nelore, de 8 a 12 meses) negociado em Mato Grosso do Sul (representado pelo Indicador ESALQ/BM&FBovespa) registrou média de R$ 2.305,90/cabeça, sendo 44% superior à verificada em outubro de 2019, em termos reais (valores mensais foram deflacionados pelo IGP-DI de setembro/2020), segundo o Cepea. “Vejo com bons olhos essa correção da arroba porque isso tirou um desconforto que vinha a tempos na pecuária. Era uma situação de baixíssima rentabilidade ou praticamente uma rentabilidade inexistente que agora está trazendo toda a cadeia para um patamar melhor. Sabemos que temos um longo caminho a percorrer pela frente, mas as perspectivas são muito boas, desde que o produtor não descuide porteira adentro”, diz Salvo. De acordo com ele, será preciso ter uma gestão eficiente, investir em genética, em melhoramento de solo e de pastagens para manter a rentabilidade nos próximos anos.

Alta nos insumos

Se por um lado os pecuaristas comemoram essa equação positiva, sabe-se que a indústria de nutrição sobre o impacto da alta do dólar, que tornou mais caro produzir suplementos e rações. Ao divulgar em novembro o balanço da produção no primeiro semestre de 2020, o Sindicato Nacional da Indústria de Alimentação Animal (Sindirações) ponderou que, apesar do segmento ter mantido um bom desempenho, houve um exercício hercúleo para equilibrar os custos. “É de se alertar para o eventual aumento da carga tributária, o encarecimento das formulações nutricionais, o desinvestimento e os impactos no bolso do consumidor final ao longo da pandemia. Esse conjunto de fatores preocupa toda a cadeia de alimentação animal e aponta para um grande desafio em manter o ritmo de crescimento para o segundo semestre. É imprescindível que se pense numa reformulação dos impostos, cuja carga sufocante e burocracia fiscal permanecem atormentando as empresas e desviando seu foco da atividade produtiva”, avalia Ariovaldo Zani, CEO do Sindirações.

Apesar do alerta, o balanço mostrou que a produção de rações foi de 37,2 milhões de toneladas entre janeiro e junho, registrando um incremento de 5,2% em relação ao mesmo período do ano passado. A expectativa é de que até o final de 2020 esse montante, quando somado à produção de sal mineral, salte para mais de 81 milhões de toneladas, representando um crescimento de até 4,5%, se comparado às estimativas de 2019. Somando bovinos de corte e de leite, a produção de rações foi de 5,1 milhões de toneladas, com o corte crescendo 2,3% e o leite 2,8%.

Confinamentos cheios e exportações em alta

Esses são dois outros pontos que confirmam que 2020 será um ano de boa rentabilidade na pecuária de corte. Segundo dados da Secex, em outubro, as exportações de carne bovina in natura somaram 162,7 mil toneladas, 14,28% a mais que em setembro. De janeiro a outubro, as vendas externas somam 1,414 milhão de toneladas, 15,17% acima do volume registrado no mesmo período de 2019 e um recorde para os 10 primeiros meses de um ano.

Quanto à receita, atingiu em outubro o segundo melhor desempenho deste ano, somando US$ 690,51 milhões, 18,41% superior ao de setembro. Essa receita em reais em outubro superou em 23% a do mês anterior e em 36,4% a de outubro/19. No acumulado de janeiro a outubro de 2020, a receita totaliza US$6,091 bilhões e R$31,49 bilhões, sendo respectivos 24,16% e 65% acima do observado no mesmo período de 2019 e ambos recordes.

Já o Censo de Confinamento DSM 2020, realizado de março a setembro, em todo o Brasil, apontou um aumento de 6% no número de bois confinados este ano, passando de 5,856 milhões de cabeças para 6,189 milhões.

Confinamentos em todo o Brasil estão mais cheios este ano. Em pontos percentuais, o Nordeste foi o que mais cresceu 17%, seguido do Sul que subiu 10,8%, o Centro-Oeste em 8%, o Sudeste em 1,6% e o Norte está 0,6% maior. Nos confinamentos deste ano, os machos inteiros são maioria, sendo mais de 90% deles de origem zebuína. As fêmeas correspondem a apenas 10%, confirmando que a retenção continua firme este ano.

A expectativa é de fechar 2020 com 4% de lucro ao mês. Dependendo da propriedade, esse índice pode chegar a 6%. No período de 2015 a 2019, a média de lucro foi de 3,08% ao mês. De acordo com o gerente de Categoria Confinamento DSM, Marcos Sampaio Baruselli, o pecuarista está vivendo um ano muito favorável. “Se a arroba subir até dezembro, o lucro pode ser ainda maior. Um dos fatores que favoreceu esse aumento do número de animais confinados é o fortalecimento da agricultura em regiões como o Nordeste, Santa Catarina, Paraná e Mato Grosso, dentre outras. A seca deste ano também levou os produtores a confinarem mais”, acredita. 

O Confina Brasil, movimento organizado pela Scot Consultoria para mapear 1 milhão de bois criados no sistema intensivo nas principais regiões produtoras do país, trouxe algumas particularidades dos confinamentos este ano em várias regiões.  No Mato Grosso, por exemplo, os produtores de genética estão utilizando o confinamento de forma estratégica. Diferente de outros estados em que o confinamento era destinado apenas para produzir carne, dessa vez também está sendo fundamental a produção de bezerros e animais precoces. Outro ponto observado no Mato Grosso foi o avanço que a agropecuária trouxe à região de Nova Xavantina, graças aos investimentos dos produtores. O município e seu entorno, nos últimos 15 anos, deram um salto de produtividade. Os grãos chegaram forte e a pecuária está cada vez mais intensiva.

Segundo o presidente da Comissão de Corte da CNA, Antônio Pitangui de Salvo, o produtor brasileiro sabe muito bem que pode transformar milho e soja em carne bovina, suína e aves de qualidade. A agricultura já aprendeu a produzir com eficiência e a pecuária está indo na mesma direção. “Tem muito pecuarista que está vendendo boi de 20 meses, com 22 arrobas, e temos genética para garantir esse avanço. Os pecuaristas que estão mais próximos aos centros produtores de grão vão levar uma vantagem enorme em relação aos que estão mais distantes. A tendência desse mercado é se firmar, sem dúvida nenhuma, para o produtor profissional que tiver uma gestão e um trabalho, enxergando a sua produção como a produção de uma empresa que é uma fazenda de pecuária hoje”, finaliza o presidente da Comissão de Corte da CNA.

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