Fertilidade gera mais rentabilidade

O uso de tecnologias, como a Inseminação Artificial por Tempo Fixo (IATF), pode garantir a excelência do produto final, carne ou leite, a viabilidade econômica e a sustentabilidade da pecuária.

O uso de tecnologias, como a Inseminação Artificial por Tempo Fixo (IATF), pode garantir a excelência do produto final, carne ou leite, a viabilidade econômica e a sustentabilidade da pecuária. Apesar de o Brasil ter destaque mundial no setor, fazendas que adotam tecnologias de reprodução ainda não são a maioria. Mas os números de vendas de sêmen e de protocolos de sincronização para emprego da IATF crescem a taxas interessantes nos últimos anos. Já existe muito produtor fazendo as contas e trabalhando para melhorar a fertilidade do rebanho, pois, além dos ganhos em rentabilidade, há consideráveis ganhos genéticos. Em entrevista à revista Pecuária Brasil, o professor do Departamento de Reprodução Animal da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da USP, Pietro Baruselli, traduz em números o avanço que a IATF vem trazendo para a pecuária brasileira. Ele ainda destaca como isso pode ajudar a ter fêmeas prenhas cada vez mais cedo na estação de monta, a melhorar a sustentabilidade ambiental e econômica das fazendas e os cuidados para adoção da tecnologia.

Professor do Departamento de Reprodução Animal da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da USP, Pietro Baruselli

 

PECUÁRIA BRASIL- O MERCADO DE IATF CRESCEU 30% EM 2020. O QUE ESSE AUMENTO REPRESENTA NA PRÁTICA?

Pietro Baruselli- Em 2020, foram comercializados 21.255.375 protocolos de sincronização para o emprego da IATF em bovinos. Com esse crescimento, foram incorporados no manejo reprodutivo das fazendas brasileiras mais 4,9 milhões de procedimentos apenas no ano passado, com impactos significativos na produção de bezerros de alto valor genético e na eficiência reprodutiva dos rebanhos de corte e de leite. Além disso, 89,8% das inseminações no Brasil em 2020 foram realizadas por IATF, demonstrando a consolidação dessa tecnologia no mercado de inseminação artificial. Na prática, isso significa mais rentabilidade para o produtor. Em uma estimativa de impacto econômico da IATF sobre a cadeia de produção de carne e leite que realizamos em 2018, os ganhos seriam de aproximadamente R$ 3,5 bilhões de valor ao ano quando comparada com a monta natural. Acreditamos que em 2021 os ganhos serão ainda superiores devido à maior utilização da IATF e ao aumento dos preços da carne e do leite pagos ao produtor. 

 

PB- O QUE OS ESTUDOS TÊM APONTADO SOBRE O IMPACTO DA TECNOLOGIA REPRODUTIVA EM CARACTERÍSTICAS DE MAIOR IMPORTÂNCIA ECONÔMICA, TAIS COMO PESO A DESMAMA, INTERVALO ENTRE PARTOS, IDADE AO PRIMEIRO PARTO, DENTRE OUTRAS, QUANDO COMPARADOS GRUPOS DE PROGÊNIES DE IATF E DE MONTA NATURAL?

Baruselli- A IATF não só promove o melhoramento genético, como melhora a eficiência reprodutiva. Devido a esse resultado, é uma tecnologia que aumenta consideravelmente o retorno econômico da pecuária. Estudos realizados pelo Departamento de Reprodução Animal da Faculdade de Medicina Veterinária da Universidade de São Paulo comparando a monta natural com a IATF demonstraram que cada R$ 1,00 investido na tecnologia de IATF gera R$ 4,50 de retorno para a cadeia de produção de carne e de leite no Brasil. Esses ganhos são relacionados ao aumento da produtividade, com mais bezerros produzidos por matriz e redução do intervalo entre partos e com maior ganho genético (nascimento de bezerros geneticamente superiores que produzem mais carne e leite), quando comparado ao sistema que utiliza a monta natural.

 

PB- NA MÉDIA GERAL, A EFICIÊNCIA REPRODUTIVA NO BRASIL É BAIXA. QUE EVOLUÇÃO OS REBANHOS QUE UTILIZAM A IATF TÊM APRESENTADO NESSA PARTE?

Baruselli- A pecuária brasileira ainda apresenta índices reprodutivos que podem ser melhorados. Utilizando tecnologia é possível produzir mais bezerros por matriz por ano e reduzir a idade ao primeiro parto. Se analisarmos os dados de pesquisa e compararmos os nascimentos de monta natural e de IATF em conjunto com repasse de touro, o volume de bezerros produzidos aumenta consideravelmente. Nos primeiros 30 dias de estação de nascimento, por exemplo, seriam 150% a mais de bezerros nos programas reprodutivos que utilizam a IATF. Ainda existem os ganhos indiretos. Quando a IATF é feita logo no início da estação de monta, a maioria das matrizes se tornam gestantes no primeiro mês do programa reprodutivo. Por monta natural, ocorre atraso na concepção com maior concentração das gestações no final da estação reprodutiva. E as vacas que emprenham no começo da estação de monta têm bezerros mais pesado, dando uma diferença em torno de 55kg quando comparado aos bezerros nascidos no final da estação. Quantificando essa informação, somente por mudar a época de nascimento o faturamento da venda de bezerros aumentaria cerca de 20%. Além disso, a novilha filha da vaca que emprenha logo no início da estação de monta tende a ter maior taxa de prenhez quando entra em reprodução. O criador pode também optar pela ressincronização para inseminar novamente a vaca que não se tornou gestante à primeira IATF. A ressincronização aumenta ainda mais a eficiência reprodutiva e genética dos rebanhos. Estudos mostram que a prenhez por ressincronização acaba sendo até mais econômica que com touro de repasse.

 

PB- E QUAIS OS GANHOS RELACIONADOS À SUSTENTABILIDADE?

Baruselli- Também são significativos. A taxa de produção de bezerros por matriz no país é de 60%. Se aumentarmos a eficiência reprodutiva para 80% seria possível obter o mesmo volume de bezerros utilizando 20 milhões de matrizes a menos. A quantidade de terra necessária cairia 44%, de uso de água em 34% e a emissão de carbono em 39%. Todas essas são demandas atuais do consumidor em todo o mundo.

 

PB- OS ESTUDOS REALIZADOS COM FÊMEAS SUPERPRECOCES APONTAM QUE A REDUÇÃO DA IDADE DA PRIMEIRA INSEMINAÇÃO TRAZ QUE BENEFÍCIOS PARA O REBANHO?

Baruselli- Hoje, no Brasil, a idade ao primeiro parto é próxima de quatro anos. Essa situação colabora para a baixa produtividade do sistema de cria. Essa elevada idade ao primeiro parto leva a propriedade de cria a ocupar 41% dos pastos só para a recria das novilhas. Com tecnologia é possível reduzir consideravelmente a idade ao primeiro parto com impactos positivos na produtividade do sistema. Na atualidade, existem vários estudos que mostram que é possível emprenhar uma novilha zebuína com 14 meses de idade, para que ela traga o primeiro bezerro aos dois anos de idade, como fazem Estados Unidos, Canadá, Inglaterra, entre outros. Se o produtor diminuir para dois anos a idade a primeira cria, a necessidade de terra para recria reduz para 21%, porque não terá mais no rebanho novilhas de dois e três anos ainda sendo recriadas e ocupando áreas de pastagens. Esse é um índice extremamente importante para melhorar a eficiência da produção por hectare da pecuária de corte. Após vários estudos realizados, hoje existe pacote tecnológico para isso.

 

PB- MAS QUE CUIDADOS TOMAR NA APLICAÇÃO DA IATF NAS FÊMEAS SUPERPRECOCES?

Baruselli- Esta é uma categoria que pode melhorar a rentabilidade da pecuária de corte, mas exige atenção redobrada para alcançar o resultado desejado. A nutrição precisa ser diferenciada tanto durante os primeiros serviços quanto no período pós-parto. Em decorrência da pouca idade, as novilhas super precoces apresentam maior dificuldade de ciclar (manifestar cio e ovulação). Nesse caso, a utilização de protocolos de sincronização para IATF adequados para esta categoria são recomendados. Estudos estão sendo realizados para o desenvolvimento de um dispositivo intravaginal específico para as fêmeas superprecoces, levando em consideração o tamanho para evitar desconforto e as concentrações de progesterona para essa categoria. E reemprenhar a primípara superprecoce é outro desafio. Como vai parir ainda muito jovem, aos dois anos, deve receber nutrição diferenciada para continuar crescendo, produzindo leite para o bezerro e emprenhar novamente, senão o esforço que o produtor fez para ter fêmeas superprecoces na estação de monta fica perdido.

 

PB- E EM RELAÇÃO AOS GANHOS GENÉTICOS, QUAIS OS BENEFÍCIOS QUE A IATF TRAZ EM NOVILHAS SUPER PRECOCES?

Baruselli- A redução do intervalo entre gerações é um deles. Quanto menor a idade ao primeiro parto, maior é o ganho genético do rebanho. Ao se ter um intervalo de gerações acima dos 4 anos, que ainda é a média no Brasil, para imprimirmos cinco quilos de genética [saltando de 180kg na primeira geração para 200kg na quinta geração] demoraríamos 20 anos. Se baixarmos esse intervalo de geração para dois anos, demoraríamos a metade do tempo, acelerando o melhoramento genético do rebanho.

 

PB- ANTES DE MERGULHAR DE CABEÇA EM NOVAS TECNOLOGIAS, QUAL DEVE SER A LIÇÃO DE CASA PARA O PECUARISTA?

Baruselli- Antes de tudo é preciso ter uma estrutura adequada na propriedade, um bom manejo sanitário e nutricional, pois vários fatores influenciam no resultado da IATF. As interferências vão desde raça do touro, lote, categoria de parto, ano, escore corporal das fêmeas até capacitação da equipe. A organização operacional do processo precisa ser boa senão teremos resultados inconsistentes.

 

PB- DAS TECNOLOGIAS REPRODUTIVAS MAIS UTILIZADAS NA PECUÁRIA ULTIMAMENTE, QUAIS O SENHOR ACREDITA QUE TROUXE MAIOR IMPACTO TANTO NA DIFUSÃO DO MELHORAMENTO GENÉTICO, QUANTO NA FACILIDADE DE MANEJO E NA PARTE ECONÔMICA DO SISTEMA DE PRODUÇÃO?

Baruselli-Todas as tecnologias têm uma contribuição importante para a evolução dos índices reprodutivos do rebanho brasileiro, mas levando em conta a aplicação em larga escala da IATF atualmente, essa seria uma inovação importante. Assim como a transferência de embrião, que permite um ganho genético muito superior a outras tecnologias, pois possibilita ao produtor trabalhar com touros e fêmeas de alto valor genético. O Brasil está entre os maiores produtores de embriões e é pioneiro na produção in vitro e na TETF (transferência de embriões em tempo fixo). Ao longo dos anos, a tecnologia passou a ser extremamente bem-sucedida, com os protocolos ficando cada vez mais viáveis em termos econômicos, além de mais eficientes.

 

PB- QUAIS ESTUDOS NA ÁREA DE REPRODUÇÃO BOVINA ESTÃO EM ANDAMENTO NA USP?

Baruselli- Estamos trabalhando para aprimorar as tecnologias já existentes, como, por exemplo, a busca por novos fármacos capazes de melhorar os resultados da IATF. Além disso, estamos estudando o impacto que a melhoria do manejo traz para a eficiência dos programas que utilizam as biotecnologias da reprodução.

 

 

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