O bom momento dos queijos

Criadores de raças leiteiras puras estão apostando neste segmento para diversificar e garantir maior rentabilidade a seus negócios

Uma tradição do agro brasileiro desde os tempos do Império tem ganhado cada vez mais a adesão de selecionadores de raças leiteiras por aliar a preservação da história local e o bom retorno financeiro. Na Fazenda Mata Serena, localizada no município de São Gonçalo do Rio Preto/MG, a produção de queijo artesanal divide espaço com a seleção das raças Gir Leiteiro e Girolando. Já são quatro gerações dedicadas à pecuária leiteira e, nos últimos anos, com a administração do negócio ficando a cargo do médico-veterinário Henrique Vieira da Rocha, a queijaria passou a ser encarada como um negócio promissor. “Quando meu pai passou a gestão do negócio para mim, o preço do leite estava baixo e o queijo tinha um valor de mercado melhor. Por conta disso, vi que era mais rentável utilizar o leite para fazer queijo. Como somos um criatório selecionador de genética, nossa produção de leite é pequena e optamos por utilizá-la na queijaria não só por conta da rentabilidade, mas por ser uma atividade que faz parte cultura da região”, conta o produtor mineiro. A Mata Serena fica em uma localidade tradicionalmente queijeira, que é a região de Diamantina. Nessas terras mineiras, a atividade existe desde a época do Império, por volta do século 17, conforme comprovou um levantamento feito pela APRODIA (Associação de Produtores de Queijo da Região de Diamantina). Mas a valorização do queijo minas artesanal, não só de Diamantina, mas de outras áreas do estado, ganhou força nos últimos anos especialmente após as primeiras premiações conquistadas na França. Aliado a isso, em 2020, o consumo aumentou, com o queijo sendo o alimento lácteo mais consumido durante a pandemia, segundo pesquisa da Embrapa. Para atender as demandas atuais do mercado, Henrique Rocha criou dois tipos de produtos, e com rótulos diferentes. Um deles é à base de leite A2 de vacas Gir, que, por ser antialergênico, pode ser consumido por pessoas com intolerância ou alergia à lactose. O outro queijo é com leite de Girolando, raça que responde por 80% do leite produzido no Brasil. O criador também tem selecionado o rebanho Girolando para a beta-caseína A2A2 e, assim que tiver volume maior de leite A2 da raça, terá 100% de sua produção de queijo A2. “Na hora da seleção, ainda levamos em conta as características de gordura e proteína, muito importantes para a produção de queijo. Já na parte morfológica priorizamos bons úberes e o conjunto pernas e pés”, explica o criador.  Todo o rebanho é manejado a pasto e tem registro genealógico, pois o foco maior da fazenda Mata Serena é a venda de animais melhoradores. Além de boa genética, que traz mais resultado na queijaria, a propriedade trabalha para alcançar a certificação nacional do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. “Estamos em processo para obter o Selo Arte, o que nos permitirá comercializar queijo para todo o país”, assegura Henrique Rocha. No momento, em toda Minas Gerais, 40 queijarias estão registradas com Selo Arte, segundo dados da Emater-MG.

Avanços nas pesquisas para ampliar o mercado

O número de regiões mineiras reconhecidas e regulamentadas pelo governo estadual para a produção de queijo tem crescido no último ano. Com base em estudos desenvolvidos por pesquisadores de várias entidades, o governo tem modificado as regras de fabricação para impulsionar o segmento. Uma portaria publicada em abril deste ano alterou de 22 para 14 dias o período de maturação do Queijo Minas Artesanal da Canastra e da Serra do Salitre. Uma das contribuições para esse novo período de maturação tem como embasamento o projeto de Doutorado do professor da UniBH e da UNA de Bom Despacho, Felipe Machado de Sant’Anna, que foi desenvolvido no Departamento de Tecnologia e Inspeção de Produtos de Origem Animal da Escola de Veterinária da UFMG, sob a orientação do professor Marcelo Resende de Souza.  Alguns grupos de pesquisa como o da UFMG continuam as pesquisas envolvendo outras microrregiões produtoras de queijo minas artesanal, visando a caracterização do período de maturação assim como já foi estabelecido para as regiões de Serra do Salitre, Araxá e Canastra.  “O estudo apontou que o período de maturação preconizado pela legislação (60 dias) é inviável sob o ponto de vista financeiro para o produtor. Além disso, o queijo minas artesanal não suporta longos períodos de maturação, sob o risco de sofrer alterações sensoriais drásticas, salvo conduto de queijos produzidos especialmente para períodos de cura prolongados, como o Canastra real, por exemplo”, esclarece o professor. Segundo Sant’Anna, as pesquisas sobre o queijo minas artesanal produzido em diversas regiões do estado vêm ocorrendo há muitos anos. No caso, do estudo da região de Serra do Salitre foram quatro anos de estudos. “Outro ponto importante de pesquisa está relacionado à caracterização dos fungos que crescem nas cascas do queijo, uma vez que essa característica tem forte apelo de mercado por ter um aspecto ‘gourmetizado’, sendo utilizado em vários restaurantes conceituados no Brasil e no mundo. É necessário identificar quais tipos de fungos estão presentes no produto, pois alguns deles podem trazer riscos à saúde pela produção de micotoxinas e a partir daí, realizar uma orientação ao produtor para evitar a presença desses fungos indesejáveis na casca”, orienta Sant’Anna.

Mercado de orgânicos

Outro mercado promissor para a pecuária leiteira é o de leite orgânico. Um estudo prospectivo sobre a pecuária leiteira orgânica nacional conduzido pela Embrapa Gado de Leite comprovou que a produção orgânica ainda está abaixo do potencial do país. Segundo a pesquisadora da Embrapa Gado de Leite, Fernanda Machado, o Brasil apresenta condições técnicas e ambientais para o aumento da oferta de leite e derivados orgânicos. Mas aspectos mercadológicos, relacionados a disponibilização de insumos, comercialização da produção, demanda por assistência técnica especializada, além questões burocráticas relacionadas à certificação podem limitar esta oferta”, diz Diniz. A Embrapa aprovou recentemente o projeto que viabiliza o “Observatório do Leite Orgânico” cujo objetivo é realizar o mapeamento e a caracterização dos sistemas de produção de leite orgânico no país, catalisando informações sobre esse modelo de produção, que ganha cada vez mais adeptos. “A ausência de dados a respeito da produção orgânica, nos diversos elos da cadeia, é o principal gargalo para o crescimento do setor no país”, diz Fábio Homero Diniz, analista da Embrapa Gado de Leite. Segundo ele, o Observatório irá reunir, em uma única plataforma, dados e informações sistematizadas sobre a cadeia agroalimentar do leite orgânico. A expectativa é realizar uma ampla caracterização e monitoramento territorial das fazendas de leite orgânico, com dados sobre o tamanho do rebanho, produtividade, ambiente e avaliação da eficiência dos sistemas. A plataforma também conterá dados sobre fornecedores de insumos como grãos e sementes orgânica e medicamentos.

 

 

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